Ela tinha procurado as aulas por
indicação de uma colega do trabalho. Conversavam durante uma pausa para um
cafezinho e a colega exaltava os benefícios obtidos desde o começo das aulas,
algumas semanas antes.
No princípio achou tudo muito estranho
e diferente. A colega havia comentado que não se tratava de religião ou uma
seita, mas percebeu que haviam vários rituais a seguir e ficou desconfiada. Mas
já que estava ali resolveu entrar de vez e ver no que dava. Se não gostasse,
era só não voltar. Para piorar a colega de trabalho havia faltado a aula,
justamente naquele dia. Sentindo-se perdida, deixou que a voz do mestre a
conduzisse.
Ao término da aula, sentiu-se muito
bem e revigorada. Atribuiu à novidade. Gostara de toda a aula, pranayamas,
asanas, mas principalmente do yoganidra, o relaxamento realmente funcionara.
Sentia-se leve, quase flutuando. Voltou para casa com um sorriso no rosto.
Logo que entrou, o marido e os filhos
notaram a diferença e comentaram, entre gracejos, que a nova seita havia lhe
feito bem. Tentou, inutilmente, explicar não se tratar de uma seita, muito
menos uma religião, apesar de levar à reflexão e incentivar o autoconhecimento.
Pura perda de tempo.
Gostava dos pranayamas e nos asanas descobriu
uma flexibilidade que nunca imaginou possuir. Percebeu, também, um aumento de
libido, que não passou despercebido em casa. Mas esperava o final da aula por
sua parte preferida, o yoganidra. Sempre ao iniciar o mestre pedia que
mentalizassem um desejo ou intensão, e repetindo-o por três vezes. Nunca
entendeu essa parte, mas sem questionar seguia as orientações e, vinha-lhe,
invariavelmente à mente a palavra “felicidade”. Ao longo do tempo,
repetidamente a frase materializava-se diante dos seus olhos fechados, antes de
entrar em profundo relaxamento: “desejo ser feliz”!
Encarava como uma afirmação, ou
confirmação, já que se considerava feliz. Adorava a família, o marido
atencioso, os dois filhos educados e bem criados e o emprego onde já trabalhava
há muito tempo e era respeitada e gozava do reconhecimento dos superiores e dos
colegas por seu profissionalismo.
Assim os dias, semanas e meses se
passaram ela cada vez mais satisfeita com sua rotina, agora aditivada pelas
aulas de yoga.
A cada início de yoganidra ainda era a
mentalização sobre o desejo de felicidade que lhe ocorria, o que atribuía à
afirmação do sentimento que tinha, grata por tudo que recebia.
Os filhos, agora crescidos, saíram de
casa para estudar em universidades distantes e estavam, cada vez mais
envolvidos com suas vidas. E a sua seguia seu agradável ritmo rotineiro, até
uma manhã. O marido acorda e, durante o café, comunica-lhe que está indo embora
pois se cansou da rotina do casamento. Ela fica olhando para a xícara de café
preto que ainda fumega enquanto ele pega a mala recém arrumada e sai pela
porta.
Ela permanece sentada por mais trinta,
quarenta minutos, uma hora, olhando para a xícara com o café, que agora jaz
frio.