quinta-feira, 31 de maio de 2018

O Último Episódio


Só me lembro da dor no peito enquanto assistia ao último episódio de “Casa de Papel”. Pensei: fudeu, não vou conseguir saber como terminar...
Felizmente, ou não, até os paramédicos chegarem a TV ficou ligada e entre um espasmo e outro consegui acompanhar a trama até o final. Na verdade, ouvi mais do que assisti. Ouvi quando minha mulher ligava desesperada para a emergência, quando os paramédicos tentaram a ressuscitação e até quando um deles falou para o motorista da ambulância que não necessitava mais apressar-se.
Engraçado, mas continuei escutando mesmo sabendo que não habitava mais aquele corpo.
Algo muito estranho para mim. Mas tinha sido curioso minha vida inteira, como não continuar na morte? Afinal, era a primeira vez. Fiquei por ali ouvindo as mais variadas opiniões a meu respeito. É esclarecedor o que as pessoas falam sobre você quando imaginam que não está por perto.
Meu velório foi uma experiência fantástica, e pensar que eu havia pedido para que não fizessem... Pelo menos a cremação foi realizada. Por um instante receei sentir algo quando o corpo começou a ser consumido pelas chamas, mas saí do outro lado ileso.
Quando me perguntava o que poderia fazer neste estado em que me encontrava, uma porta se abriu, é uma porta no nada, para o nada, e tenho que admitir, havia uma luz muito forte saindo por ela, uma luz que não ofuscava. Passei através da porta, literalmente, não me sentia ligado a mais nada deste lado. Logo em seguida me encontrei em um imenso vazio pontilhado de estrelas. Milhões de sóis como não poderia observar da Terra. Uma outra porta se abriu e um senhor simpático de barbas longas me fez sinal para segui-lo. Passamos para outro ambiente completamente branco e confortável.
Ele me chamou pelo nome e pediu que ficasse à vontade. Perguntei quem ele era e o que ele estava fazendo ali. Perguntas óbvias mas ele respondeu, seus lábios se mexiam mas as palavras que ouvia em minha mente não correspondiam às que eram articuladas.
 - Sou Deus e você está aqui porque morreu.
Isso parecia óbvio, mas minha dúvida era outra: Porque eu? Sempre me declarei ateu!
Ele me olhou com uma expressão de enfado:
- O mundo anda muito chato, se não desse tanto trabalho eu o destruiria outra vez. Mas de que adiantaria, vocês não aprenderiam nada, como das outras vezes, causa perdida.
Meio encabulado com o seu desabafo, lembrei:
- O senhor não me respondeu.
- Ora, gosto de conversar sobre vários assuntos, mas só me aparecem crentes recitando passagens da bíblia, como se eu não a tivesse escrito. Bem, na verdade não escrevi, mas inspirei.
- E quais assuntos Lhe interessam?
- As maiores realizações da humanidade, suas pinturas mais intrigantes, poemas e peças dramáticas ou satíricas. As descobertas científicas também me encantam. Vocês descobrem caminhos que eu jamais sonharia, mesmo sendo onisciente... brincadeira. Mas, o que mais me encanta é a música. Meninos criativos esses: Ludwig, Amadeus e Sebastian. Acho que a música deles funciona muito melhor que algumas orações, por vezes.
Sempre aprovei todas essas coisas também.
-  Quer dizer que o Senhor me trouxe aqui para falar sobre arte, pois estava entediado?
- Por que a surpresa, por acaso você tem algo melhor para fazer, por toda a eternidade?
- Não, mas deixei vários projetos inacabados do outro lado.
- Talvez prefira conversar sobre trabalho?
- Como o Senhor quiser...
- Então, quando criei todos vocês e aquela chatice do Éden, ficou tudo perfeito, só que não. Aí me ocorreu a ideia, uma sacada, como diriam na sua profissão. Resolvi por pimenta no negócio e criei o diabo, tive que inventar toda uma história sobre anjos revoltosos e caídos, mas o pessoal comprou. Como profissional, o que você achou do meu produto?
- Muito eficiente, falei.
- Pois é, mas agora vou te contar por que fiz tudo isso.
E nas paredes, que não eram paredes, assisti em segundos, desde o Big Bang até a invenção do smartphone.
Neste instante uma lancinante dor no peito me fez abrir os olhos e encarar as luzes de uma sala de emergência...


quinta-feira, 24 de maio de 2018

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Inter rogações

Não nasceste de uma mulher
a fórceps, cesárea, naturalmente
Não te levantas toda manhã
bebes teu café, chá, suco de graviola
Não labutas todos os dias
almoças, lanchas e jantas
Não chegas exausto em teu lar
banha-te e descansas para a tudo retornar

Mas quando amas
te sentes único
especial, agraciado

olha-te ao espelho
o que vês de diferente




quarta-feira, 2 de maio de 2018

Paixões Binárias


Em um difuso futuro
tudo perde a materialidade
O dinheiro vira moeda imaginária
Existe ou não existe
entre o sim e o não
entre o um e o zero
A música dos instrumentos ao bolachão
Do pequeno CD ao pen drive
agora somente na nuvem
Paixões que oceanos atravessavam
linhas desesperadas em porões
depois, a bordo de aviões
Agora se transmutam
tão logo se iniciam
ao click de um botão
Tu me correspondes ou não?