domingo, 3 de fevereiro de 2019

Cris


Cris acordou na sala de recuperação. Logo teve ciência de onde estava e por quê. As luzes fluorescentes e o curativo que podia enxergar, mesmo fora de foco pela proximidade, não deixavam dúvidas. Estava doida para conferir o resultado da cirurgia, mas quem havia esperado vinte e dois anos, podia aguardar mais uns dias. Sabia que o local permaneceria inchado por um tempo, mas não se importava, queria poder ver e tocar. Passara os últimos quatro anos juntando dinheiro para poder realizar a operação, muitos sacrifícios e privações, agora a ansiedade a consumia. A enfermeira aproximou-se e informou que tudo havia corrido bem e logo seria liberada para voltar ao quarto.
Já no quarto, pediu um espelho. Desânimo, só conseguiu enxergar o curativo.
Mais um dia e estava em casa, passaram-se mais alguns até a retirada do curativo. Sentada à maca aguardou enquanto o médico retira as bandagens e algodões e lhe alcança um pequeno espelho com a haste e borda de prata. Ela encara a imagem refletida com espanto, apesar da satisfação estampada no rosto do médico, ela não consegue enxergar o próprio nariz, no lugar onde deveria estar a obra de arte alardeada pelo médico, ela somente vê um borrão. Por mais que tente focalizar os olhos a imagem não entra em foco. Não tem coragem de falar com o médico, é coisa da sua cabeça, fruto da ansiedade, quando chegar em casa e se acalmar tudo volta ao normal. Aceitou a opinião do médico de que tudo tinha ficado perfeito, assim como ela desejara. Dentro de mais alguns dias retornaria ao consultório para retirar os pontos. Tudo voltará ao normal, repetiu.
Mas não foi o que ocorreu, mesmo depois de tomar os remédios e dormir um pouco, ao mirar-se no espelho do banheiro, lá está o borrão no lugar do seu novo nariz. Tudo bem, pensou, vamos aguardar. Pensa em procurar a analista que lhe acompanhara nos últimos dois anos em sessões quinzenais, que era o que podia pagar. Como falar com outras pessoas? Não iriam acreditar, achariam que está louca.
No geral, sempre esteve satisfeita com sua aparência, alta, magra, pele morena e saudável, olhos escuros assim como o cabelo, liso e brilhante. Talvez os pés a incomodassem, mas o nariz... quando começara a puberdade ele começou a mudar também, mas parecia ter tomado outro rumo, que não harmonizava com o restante. Talvez herança daquela bisavó pomerana? O fato é que passou a ser algo que incomodava, mais tarde, um problema. Decidiu que, assim que pudesse, resolveria aquilo. Os meios existiam, faltava a grana. Batalhou muito para consegui-la, era focada, nada de baladas, gastos desnecessários com roupas e sapatos. E agora isto?
Evitava olhar-se no espelho, contentava-se com os elogios das pessoas. Mas o incômodo aumentava. Após a retirada dos pontos, não se conteve, até porque o médico praticamente a obrigou a olhar. Entregou o mesmo espelho de haste de prata, e o susto foi maior. A área borrada estava ainda maior, mal podia definir os olhos agora. Caiu em prantos, e o médico a consolou, disse que muitas pacientes costumavam ficar emocionadas quando constatavam o resultado. Saiu rapidamente do consultório, chegou em casa e trancou-se no quarto. Ficou no apartamento todo o fim de semana. Quando ia ao banheiro, não acendia a luz. Cobriu todos os espelhos que tinha.
Na segunda-feira não pode evitar, tinha que trabalhar. Ao olhar-se não conseguia mais definir o rosto e ao erguer as mãos, os dedos também já não se definiam. Deixou escapar um gemido e seus joelhos dobraram.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Mundiano




Mundo mundo
Vasto mundo,
As vezes pequeno e belo

Mundo mundo
Extenso mundo,
Quer se viva em uma aldeia
Quer em uma metrópole

As palavras viajam
Em ondas no ar
Por continentes e pelo mar
Por todo sistema solar

Mundo mundo
Mesquinho mundo
Mas pode ser suave
Por palavras serenas

Mãos estendidas
Em gratidão