Cris
acordou na sala de recuperação. Logo teve ciência de onde estava e por quê. As
luzes fluorescentes e o curativo que podia enxergar, mesmo fora de foco pela
proximidade, não deixavam dúvidas. Estava doida para conferir o resultado da
cirurgia, mas quem havia esperado vinte e dois anos, podia aguardar mais uns
dias. Sabia que o local permaneceria inchado por um tempo, mas não se
importava, queria poder ver e tocar. Passara os últimos quatro anos juntando
dinheiro para poder realizar a operação, muitos sacrifícios e privações, agora
a ansiedade a consumia. A enfermeira aproximou-se e informou que tudo havia
corrido bem e logo seria liberada para voltar ao quarto.
Já
no quarto, pediu um espelho. Desânimo, só conseguiu enxergar o curativo.
Mais
um dia e estava em casa, passaram-se mais alguns até a retirada do curativo. Sentada
à maca aguardou enquanto o médico retira as bandagens e algodões e lhe alcança
um pequeno espelho com a haste e borda de prata. Ela encara a imagem refletida
com espanto, apesar da satisfação estampada no rosto do médico, ela não
consegue enxergar o próprio nariz, no lugar onde deveria estar a obra de arte
alardeada pelo médico, ela somente vê um borrão. Por mais que tente focalizar
os olhos a imagem não entra em foco. Não tem coragem de falar com o médico, é
coisa da sua cabeça, fruto da ansiedade, quando chegar em casa e se acalmar
tudo volta ao normal. Aceitou a opinião do médico de que tudo tinha ficado
perfeito, assim como ela desejara. Dentro de mais alguns dias retornaria ao
consultório para retirar os pontos. Tudo voltará ao normal, repetiu.
Mas
não foi o que ocorreu, mesmo depois de tomar os remédios e dormir um pouco, ao
mirar-se no espelho do banheiro, lá está o borrão no lugar do seu novo nariz.
Tudo bem, pensou, vamos aguardar. Pensa em procurar a analista que lhe
acompanhara nos últimos dois anos em sessões quinzenais, que era o que podia
pagar. Como falar com outras pessoas? Não iriam acreditar, achariam que está
louca.
No
geral, sempre esteve satisfeita com sua aparência, alta, magra, pele morena e
saudável, olhos escuros assim como o cabelo, liso e brilhante. Talvez os pés a
incomodassem, mas o nariz... quando começara a puberdade ele começou a mudar
também, mas parecia ter tomado outro rumo, que não harmonizava com o restante.
Talvez herança daquela bisavó pomerana? O fato é que passou a ser algo que
incomodava, mais tarde, um problema. Decidiu que, assim que pudesse, resolveria
aquilo. Os meios existiam, faltava a grana. Batalhou muito para consegui-la,
era focada, nada de baladas, gastos desnecessários com roupas e sapatos. E
agora isto?
Evitava
olhar-se no espelho, contentava-se com os elogios das pessoas. Mas o incômodo
aumentava. Após a retirada dos pontos, não se conteve, até porque o médico
praticamente a obrigou a olhar. Entregou o mesmo espelho de haste de prata, e o
susto foi maior. A área borrada estava ainda maior, mal podia definir os olhos
agora. Caiu em prantos, e o médico a consolou, disse que muitas pacientes
costumavam ficar emocionadas quando constatavam o resultado. Saiu rapidamente
do consultório, chegou em casa e trancou-se no quarto. Ficou no apartamento
todo o fim de semana. Quando ia ao banheiro, não acendia a luz. Cobriu todos os
espelhos que tinha.
Na
segunda-feira não pode evitar, tinha que trabalhar. Ao olhar-se não conseguia
mais definir o rosto e ao erguer as mãos, os dedos também já não se definiam.
Deixou escapar um gemido e seus joelhos dobraram.