Este espaço foi criado para expressar opiniões sobre filosofia, cinema, poesia, literatura, fotografia, viagens e outros tantos assuntos que me interessam... eventualmente atualizado. Caso sinta-se estimulado por algum assunto, post ou imagem, comente, participe, ficarei muito satisfeito. Abraços
quarta-feira, 8 de abril de 2020
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020
Just Mercy
Assim
caminha a humanidade. Com passos de formiga. E sem, sem vontade. (Lulu Santos)
Mas,
ainda bem que caminha. Percebemos com mais clareza quando a indústria, mesmo a
do entretenimento, começa a assimilar novos conceitos e incorporar costumes. Claro
que sempre haverá os corajosos, os primeiros a atravessar o rio. Mas, aos
poucos podemos perceber a água mudando de cor. Aliás, muita água passou por
baixo da ponte desde que Mississipi Em Chamas estreou em 1988. Um filme corajoso tratando da temática do racismo,
mas ainda com dois atores brancos nos papeis principais (Gene Hackman e Willem Dafoe) e dirigidos pelo excelente
Alan Parker. Mas, recentemente começamos a ter filmes estrelados por atores
negros em papéis não caricatos ou estereotipados. O excelente Green Book
que recebeu os Óscares de Melhor filme, Melhor Ator Coadjuvante (Mahershala Ali) e Melhor
Roteiro Adaptado, para citar um exemplo. Existiram exceções como o Oscar de
Melhor ator de 1964 para Sidney Poitier no ótimo Lilies of the Field.
Talvez o maior mérito de Just Mercy (Luta por Justiça), seja a excelente e comovente atuação dos atores principais,
todos negros. A direção (Destin Daniel Cretton) não compromete o resultado, tratando o assunto (pena de morte e as
injustiças irreparáveis), com o peso e a seriedade que o assunto exige. Claro
que o racismo permeia toda a trama, mas talvez por retratar a época, é tratado
como algo inerente aquela parte do pais (Alabama). As falhas que o sistema
judiciário americano se permite beira ao
inacreditável (nem gosto de imaginar o nosso), parecendo um roteiro escrito por um autor inepto, assombrando
por se tratar de uma história real. O personagem bem representado pelo ótimo Michael B. Jordan nos remete a um Dom Quixote lutando
contra gigantes que parecem imaginários e impossíveis de serem vencidos. A
atuação de Jamie Foxx, apesar de contida, consegue passar a evolução que
vai da conformidade à esperança. Um filme que vale ser visto pela qualidade,
mas também por representar um marco na mudança de um paradigma, assim espero.
quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020
terça-feira, 18 de fevereiro de 2020
Ossain e Ogum
Cresci
sob os cuidados de Vó Otília. Meus pais não tinham condições de cuidar de toda
a prole e eu e minha irmã fomos abrigados em sua casa. Servíamos, também, como
companhia já que meu avô morrera e ela morava sozinha.
Mulher
simples e generosa, além de nós, amparava e cuidava da vizinhança. A casa vivia
movimentada. Nos fundos tinha um pequeno quarto com uma cortina de contas na
porta e várias prateleiras, uma mesa simples e duas cadeiras de madeira. Nas
prateleiras, uma miríade de imagens de Santos, Orixás e outras Entidades.
Velas, garrafas de bebidas, carteiras de cigarros, amuletos e pequenos
alguidares com comida. Sobre a mesa, uma pequena toalha branca e uma peneira de
palha cercada por colares de contas coloridas. Nela minha vó “via” o que
afligia o coração das pessoas que a procuravam, “lendo” a sorte nas dezesseis
conchas que ela deixava cair sobre a peneira. Um dia descobri que as conchas se
chamavam “búzios” e não serviam a brincadeiras.
Tantas
vezes vi chegarem homens e mulheres arrasados e desiludidos para depois de meia
hora, saírem confortados, quando não esperançosos. Alguns retornavam com
presentes que eram bem-vindos para reforçar a minguada pensão que minha vó
recebia
A
família era grande e bastante unida, nos finais de semana sempre tínhamos
companhia para o almoço ou o jantar. As visitas chegavam trazendo travessas,
panelas ou sacolas com compras do armazém. Por isso Vó Otília estranhou quando
tia Zélia passou algum tempo sem aparecer. As notícias eram de que ela estava
ocupada trabalhando para a nova congregação que se estabelecera a pouco na
pequena cidade.
Passaram-se
mais de seis meses sem vermos a tia Zélia, quando em uma tarde de sábado ela e
minha prima chegaram. Trocaram beijos e abraços no pequeno alpendre e notei que
minha tia usava uma espécie de guarda-pó e carregava um estojo embaixo do
braço. Estaria trabalhando em uma escola ou em um ambulatório?
Minha
vó foi fazer um chá e colocou sobre a mesa da cozinha um bolo de fubá recém
assado. Quando minha tia abriu o estojo de couro, percebi que se tratava de um
livro. Ela começou a correr o dedo pelas linhas do livro e recitar o que estava
escrito. Nós, as crianças, estávamos muito mais interessadas no bolo, cujo o
aroma enchia nossas narinas. Mal percebemos quando a discussão começou. Em
seguida, minha tia invadiu a pequena sala onde Vó Otília jogava búzios e,
enquanto recitava versículos da Bíblia, arremessava imagens nas paredes e no
chão do cômodo. Vó Otília tentava, inutilmente, impedi-la, sob nossos olhares estarrecidos. Só quando Vó Otília implorou por
ajuda, despertamos. Cada um pegou a imagem mais próxima. Alcancei um São
Benedito e um dos São Jorge que eram as imagens que minha vó mais gostava. Pulando por sobre um cavalo sem São Jorge, miçangas,
pipocas e cacos de garrafas saltei pela janela, sob protestos de minha tia e
fui esconder-me na mata que começava logo após a pequena horta. Ficamos, eu e
meus companheiros, na mata até escurecer. Quando retornei para casa, encontrei
minha vó sentada quieta fumando seu pequeno cachimbo. O cômodo já havia sido
limpo, apesar de ainda cheirar a cachaça. Pedi desculpas para Vó Otília por só
ter conseguido salvar dois dos seus ídolos. Ela disse que não tinha
importância, afinal aquilo tudo era gesso.
Mas
a relação entre mãe e filha nunca mais foi a mesma. Vó Otília mandou instalar
um cadeado na porta do quartinho que ela corria para trancar toda vez que Tia
Zélia chegava.
Tempos
depois minha vó adoeceu e voltamos a morar com meus pais. Antes de ir pedi para
Vó Otília para levar as duas imagens que salvei da jihad.
Hoje,
sempre olho para elas antes de lançar os búzios.
*Obrigado a José Carlos Ribeiro que, no passado, me contou uma história parecida.
sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020
sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020
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