A história
começa com um mata-leão, um soco no estomago, um jeb de esquerda. O discurso de
Mantovani na cerimônia de entrega do Nobel de Literatura poderia sair dos
lábios de Kurt Cobain ou Bukowski. Porém, como Odisseu após a conquista de
Troia, um vazio toma conta de seu espírito, tal qual um flamingo morto,
deixando à deriva, por um bom tempo, sua criatividade. Sua agenda se resume a
não ter uma agenda, recusando sistematicamente os convites para os mais
variados eventos. Quando surge a oportunidade de retornar a sua Ítaca, digo,
Salas, um pequeno povoado no sul da Argentina de onde saiu há 40 anos. No último
lugar onde desejava estar, Mantovani se vê cercado por seus antigos personagens
tendo que enfrentá-los. Mesmo abrindo concessões a seus conterrâneos, descobre
que “santo de casa nem sempre faz milagres”. Antigos amores, velhas amizades,
despertam desejos reprimidos, masculinidade frágil, reações violentas e
manipulações políticas.
Mas, tanto o
personagem quanto o ator desempenham muito bem seu papel. O pequeno povoado, excitado
pela presença do ilustre filho, aos poucos vai perdendo o interesse diante do modo
pouco estrelístico e cínico do escritor que reluta em participar das convenções
provincianas. O povoado poderia estar situado no interior da Colômbia, Peru,
Santa Lúcia, Trinidad e Tobago ou no Brasil, se tivéssemos um ganhador do Nobel
(Argentina tem 5 ganhadores do Nobel, nenhum de literatura). Nas entrelinhas
estão referências a Tolstoi e Fernando Pessoa.
Enfim, entre a
descoberta da esperança de um novo talento ou dos remanescentes a sua última
aula e a trágica cura para sua abstinência literária, renasce um autor que não
abdica de seus princípios e só escreve quando tem algo a dizer.
Uma boa direção, um
roteiro primoroso e o prêmio de melhor ator em Veneza. Qual seria o discurso de
Martinez ao receber o Oscar? O Cidadão Ilustre é um grande filme.
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