quinta-feira, 7 de maio de 2020

Um Santo Voltando para Casa

A história começa com um mata-leão, um soco no estomago, um jeb de esquerda. O discurso de Mantovani na cerimônia de entrega do Nobel de Literatura poderia sair dos lábios de Kurt Cobain ou Bukowski. Porém, como Odisseu após a conquista de Troia, um vazio toma conta de seu espírito, tal qual um flamingo morto, deixando à deriva, por um bom tempo, sua criatividade. Sua agenda se resume a não ter uma agenda, recusando sistematicamente os convites para os mais variados eventos. Quando surge a oportunidade de retornar a sua Ítaca, digo, Salas, um pequeno povoado no sul da Argentina de onde saiu há 40 anos. No último lugar onde desejava estar, Mantovani se vê cercado por seus antigos personagens tendo que enfrentá-los. Mesmo abrindo concessões a seus conterrâneos, descobre que “santo de casa nem sempre faz milagres”. Antigos amores, velhas amizades, despertam desejos reprimidos, masculinidade frágil, reações violentas e manipulações políticas.
Mas, tanto o personagem quanto o ator desempenham muito bem seu papel. O pequeno povoado, excitado pela presença do ilustre filho, aos poucos vai perdendo o interesse diante do modo pouco estrelístico e cínico do escritor que reluta em participar das convenções provincianas. O povoado poderia estar situado no interior da Colômbia, Peru, Santa Lúcia, Trinidad e Tobago ou no Brasil, se tivéssemos um ganhador do Nobel (Argentina tem 5 ganhadores do Nobel, nenhum de literatura). Nas entrelinhas estão referências a Tolstoi e Fernando Pessoa.
Enfim, entre a descoberta da esperança de um novo talento ou dos remanescentes a sua última aula e a trágica cura para sua abstinência literária, renasce um autor que não abdica de seus princípios e só escreve quando tem algo a dizer.
Uma boa direção, um roteiro primoroso e o prêmio de melhor ator em Veneza. Qual seria o discurso de Martinez ao receber o Oscar? O Cidadão Ilustre é um grande filme. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário