domingo, 2 de abril de 2017

Desapego

    Tânia abriu o guarda-roupa e seus olhos foram atraídos pelo velho casaco. Todo início da estação fria era a mesma coisa, tirava-o do fundo do armário e levava à lavanderia.
     Mas desta vez era diferente, ao lado dele, exigindo mais espaço, encontrava-se um casaco novinho, ainda com as etiquetas da loja penduradas, numa cor mais vistosa e com corte mais moderno. Tânia não podia perder a oportunidade. O bazar da igreja tinha vindo na hora certa, estavam recolhendo doações, e ainda poderia ajudar uma pessoa necessitada. Apanhou o velho casaco, decidida,  mas não sem uma pontinha de apego. Ele lhe servira por muitos anos. Presenciara muitos acontecimentos em sua vida. Mas não tinha lugar no seu guarda-roupa, estava ocupando espaço.
    Mary saiu para o vento gelado da manhã. Apertou a blusa fina contra o corpo e correu até o ponto de ônibus em uma tentativa de se esquentar. Quando o ônibus chegou, estava começando a tremer. Lá dentro estava confortável. Tirou o livro da bolsa e voltou à página marcada. A heroína iria receber a notícia da doença do amado.
   Quando se deu conta, tinha passado seu ponto, iria chegar atrasada outra vez.
    O próximo ponto ficava em frente a igreja, teria que andar alguns quarteirões na manhã gelada, pensou. Ao saltar do ônibus, para sua surpresa, percebe que está acontecendo um bazar de roupas. Seus olhos são imediatamente atraídos para um casaco usado, mas conservado, que se encontra na ponta de uma arara.  Examina a carteira, tem alguns trocados, pechincha com a vendedora e sai dali confortavelmente aquecida pelo " velho" novo casaco. Afinal, perder o ponto não tinha sido em vão.
   Em casa, com mais tempo, examina melhor a peça. Boas costuras,  feito em lã dupla, com forro de cetim. Puído em um cotovelo e com a marca da alça da bolsa da antiga dona no ombro esquerdo e um rasgo no forro, mas no geral  ainda servia. Tinha se ajustado perfeitamente, parecia ser feito sob medida, afinal não encontrou etiqueta, talvez tivesse sido removida.
  Era uma garota habilidosa, dois retalhos de camurça nos cotovelos, uma pequena cerzida, uma boa lavada e o ferro bem quente, ficou como novo, pelo menos para ela.
   Foram juntos a muitos lugares naquele inverno, até a uma peça de teatro e a um museu, novas experiências.
   Quase no final do inverno, enquanto passeava pelo centro da cidade, olhando algumas vitrines, percebeu que era observada, olhos a seguiam no meio da multidão como se a reconhecessem  de há muito tempo. Uma antiga colega de escola, uma vizinha...Não, tinha certeza que não conhecia a moça que a observava.
   Tânia afastou-se e embarcou em um táxi que estava no ponto. Não conhecia a moça, mas apesar das pequenas modificações tinha certeza que era seu velho casaco.
   Um sentimento de posse subiu à sua garganta, mas ele parecia muito bem cuidado pela nova dona,  até parecia mais novo.
   Apesar da temperatura confortável no interior do táxi, apertou mais os braços em torno do corpo.

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