quarta-feira, 19 de abril de 2017

Jujuba Azul

       Ele era sempre o preterido. Tímido, ficava no fim da fila para não chamar a atenção. Não adiantava, os colegas logo o descobriam e as brincadeiras começavam. Diziam que seu cabelo era ruim, pois era espetado e de uma cor indefinida, entre o cinza e o preto. Quando nervoso, gaguejava.
       Sua mãe morrera no parto e a mulher que morava com seu pai não cuidava dele, suas unhas viviam longas e sujas, as roupas sempre amarfanhadas e rasgadas.  O pai trabalhava muito, saía cedo e voltava tarde, quase não o via. Tinha o novo irmãozinho que sua “madrasta” não deixava chegar perto “ para não passar piolho”, dizia rindo.
       O apelido nascera no dia em que a professora levara um saco de jujubas.  Todas as crianças puderam escolher algumas. Quando o pacote chegou ao fundo da sala sobravam quase que somente jujubas azuis, desprezadas por quase todos os demais. Ele acabou ficando com elas e com o apelido.
        A partir deste dia todos o chamavam de “Jujuba Azul “.
      Ele não se importava com o apelido, até gostava das jujubas. Para ele eram especiais, diferentes, com sabor sofisticado. Mas a sala se divertia caçoando dele. Na época, não se falava em bullying e os professores  não davam muita atenção para estas atitudes. Assim, apesar dos seus esforços em se enturmar, foi ficando cada dia mais isolado.
       Num dia chuvoso, depois de comer a merenda, descobriu que poderia passar o tempo do recreio na biblioteca.
      Quem tomava conta da biblioteca era uma mulher de olhar triste, calada que, ora arrumava os livros, ora estava lendo.
        Ele foi até uma prateleira e chamou-lhe a atenção uma coleção de capa dura  com ilustrações. Apanhou um deles que tinha o título “Caçadas de Pedrinho”, que havia sido escrito por um tal de Monteiro Lobato. Encontrou  uma mesa bem no canto oposto ao  da professora, que o observava por cima dos óculos enquanto lia. Ela nada falou.
     Ele leu algumas páginas até a sineta tocar. Voltou no dia seguinte e no outro e no outro. Começou a se encantar com o universo que encontrou nas páginas do livro.
       Neste tempo todo ele e a professora somente trocaram olhares, mas ela já lhe sorria algumas vezes.
       Percebendo que ele chegava ao final do livro, abriu uma gaveta e colocou um pote colorido sobre a mesa. Ao se aproximar para devolvê-lo, percebeu que o vidro estava cheio de jujubas. Ela ofereceu-lhe e ele aceitou. Ao pegar o pote notou que havia algo errado. Não existiam jujubas azuis. Perguntou-lhe o por quê.

      A professora disse-lhe que elas eram as suas preferidas. 


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