Ele era sempre o
preterido. Tímido, ficava no fim da fila para não chamar a atenção. Não
adiantava, os colegas logo o descobriam e as brincadeiras começavam. Diziam que
seu cabelo era ruim, pois era espetado e de uma cor indefinida, entre o cinza e
o preto. Quando nervoso, gaguejava.
Sua mãe morrera no parto e a mulher que morava com seu
pai não cuidava dele, suas unhas viviam longas e sujas, as roupas sempre
amarfanhadas e rasgadas. O pai
trabalhava muito, saía cedo e voltava tarde, quase não o via. Tinha o novo
irmãozinho que sua “madrasta” não deixava chegar perto “ para não passar
piolho”, dizia rindo.
O apelido nascera no dia em que a professora levara um saco de
jujubas. Todas as crianças puderam
escolher algumas. Quando o pacote chegou ao fundo da sala sobravam quase que
somente jujubas azuis, desprezadas por quase todos os demais. Ele acabou
ficando com elas e com o apelido.
A partir deste dia todos o chamavam de “Jujuba Azul “.
Ele não se importava com o apelido, até gostava das jujubas.
Para ele eram especiais, diferentes, com sabor sofisticado. Mas a sala se
divertia caçoando dele. Na época, não se falava em bullying e os professores não davam muita atenção para estas atitudes.
Assim, apesar dos seus esforços em se enturmar, foi ficando cada dia mais
isolado.
Num dia chuvoso, depois de comer a
merenda, descobriu que poderia passar o tempo do recreio na biblioteca.
Quem tomava conta da biblioteca era uma
mulher de olhar triste, calada que, ora arrumava os livros, ora estava lendo.
Ele foi até uma prateleira e
chamou-lhe a atenção uma coleção de capa dura
com ilustrações. Apanhou um deles que tinha o título “Caçadas de
Pedrinho”, que havia sido escrito por um tal de Monteiro Lobato. Encontrou uma mesa bem no canto oposto ao da professora, que o observava por cima dos
óculos enquanto lia. Ela nada falou.
Ele leu algumas páginas até a sineta
tocar. Voltou no dia seguinte e no outro e no outro. Começou a se encantar com
o universo que encontrou nas páginas do livro.
Neste tempo todo ele e a
professora somente trocaram olhares, mas ela já lhe sorria algumas vezes.
Percebendo que ele chegava ao final do livro,
abriu uma gaveta e colocou um pote colorido sobre a mesa. Ao se aproximar para
devolvê-lo, percebeu que o vidro estava cheio de jujubas. Ela
ofereceu-lhe e ele aceitou. Ao pegar o pote notou que havia algo errado. Não
existiam jujubas azuis. Perguntou-lhe o por quê.
A professora disse-lhe que elas
eram as suas preferidas.
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