Este espaço foi criado para expressar opiniões sobre filosofia, cinema, poesia, literatura, fotografia, viagens e outros tantos assuntos que me interessam... eventualmente atualizado. Caso sinta-se estimulado por algum assunto, post ou imagem, comente, participe, ficarei muito satisfeito. Abraços
sexta-feira, 14 de abril de 2017
domingo, 2 de abril de 2017
Desapego
Tânia abriu o guarda-roupa e seus olhos foram atraídos pelo
velho casaco. Todo início da estação fria era a mesma coisa, tirava-o do fundo
do armário e levava à lavanderia.
Mas desta vez era diferente, ao lado dele, exigindo mais
espaço, encontrava-se um casaco novinho, ainda com as etiquetas da loja
penduradas, numa cor mais vistosa e com corte mais moderno. Tânia não podia
perder a oportunidade. O bazar da igreja tinha vindo na hora certa, estavam
recolhendo doações, e ainda poderia ajudar uma pessoa necessitada. Apanhou o
velho casaco, decidida, mas não sem uma
pontinha de apego. Ele lhe servira por muitos anos. Presenciara muitos
acontecimentos em sua vida. Mas não tinha lugar no seu guarda-roupa, estava
ocupando espaço.
Mary saiu para o vento gelado da manhã. Apertou a blusa fina
contra o corpo e correu até o ponto de ônibus em uma tentativa de se esquentar.
Quando o ônibus chegou, estava começando a tremer. Lá dentro estava
confortável. Tirou o livro da bolsa e voltou à página marcada. A heroína iria
receber a notícia da doença do amado.
Quando se deu conta, tinha passado seu ponto, iria chegar
atrasada outra vez.
O próximo ponto ficava em frente a igreja, teria que andar
alguns quarteirões na manhã gelada, pensou. Ao saltar do ônibus, para sua
surpresa, percebe que está acontecendo um bazar de roupas. Seus olhos são
imediatamente atraídos para um casaco usado, mas conservado, que se encontra na
ponta de uma arara. Examina a carteira,
tem alguns trocados, pechincha com a vendedora e sai dali confortavelmente
aquecida pelo " velho" novo casaco. Afinal, perder o ponto não tinha
sido em vão.
Em casa, com mais tempo, examina melhor a peça. Boas
costuras, feito em lã dupla, com forro
de cetim. Puído em um cotovelo e com a marca da alça da bolsa da antiga dona no
ombro esquerdo e um rasgo no forro, mas no geral ainda servia. Tinha se ajustado
perfeitamente, parecia ser feito sob medida, afinal não encontrou etiqueta,
talvez tivesse sido removida.
Era uma garota habilidosa, dois retalhos de camurça nos
cotovelos, uma pequena cerzida, uma boa lavada e o ferro bem quente, ficou como
novo, pelo menos para ela.
Foram juntos a muitos lugares naquele inverno, até a uma peça
de teatro e a um museu, novas experiências.
Quase no final do inverno, enquanto passeava pelo centro da
cidade, olhando algumas vitrines, percebeu que era observada, olhos a seguiam
no meio da multidão como se a reconhecessem
de há muito tempo. Uma antiga colega de escola, uma vizinha...Não, tinha
certeza que não conhecia a moça que a observava.
Tânia afastou-se e embarcou em um táxi que estava no ponto.
Não conhecia a moça, mas apesar das pequenas modificações tinha certeza que era seu velho casaco.
Um sentimento de posse subiu à sua garganta, mas ele
parecia muito bem cuidado pela nova dona,
até parecia mais novo.
Apesar da temperatura confortável no interior do táxi,
apertou mais os braços em torno do corpo.
sexta-feira, 10 de março de 2017
Transideral
No ocaso,
pendurada no horizonte.
Surge a estrela brilhante
refletindo a luz de outra.
Dupla persona,
rochosa ou gasosa.
Tentando enganar
aos amantes e poetas,
que a ela ou a ele
fazem juras e poemas.
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017
Tocaia
Amarrou o
tordilho ao travessão sob a sombra de um eucalipto e dirigiu-se a porta do
bolicho pelo caminho poeirento. Passou da luz e do mormaço da tarde para a
sombra e o frescor do interior, lá divisou o bolicheiro, as moscas que esvoaçavam e uma figura
oitavada na ponta do balcão de prancha.
Cumprimentou
com um "buenas" e foi respondido pelo bolicheiro, a figura no canto
do balcão mal balançou a cabeça coberta pelo chapéu.
Encostou
no balcão e nem foi preciso pedir, o
bolicheiro serviu-lhe um liso de canha para
espantar o calor e passou para a sala dos fundos que funcionava como depósito.
O homem
que não usava esporas não perdeu tempo, aproximou-se , colocou a mão no ombro
do recém chegado e sacando da adaga, abriu-lhe um novo sorriso encarnado que ia
de uma jugular a outra.
O sangue
misturado à cachaça escorreu encharcando
o lenço branco no pescoço do que morria.
Seus
joelhos dobraram, o corpo rolou pelo chão de terra batida que já absorvia o
vermelho escuro do sangue venoso.
Limpou a
adaga nas costas do que já não se mexia, colocou-a na bainha e saiu para a luz
e o calor da tarde, deixando o corpo e sobre o balcão, as moedas para sua
bebida e de sua vítima.
Glossário:
Tordilho - disse do cavalo de pelagem branca;
Bolicheiro - dono da venda, proprietário do estabelecimento;
Liso de canha - dose de cachaça.
sábado, 18 de fevereiro de 2017
domingo, 12 de fevereiro de 2017
domingo, 29 de janeiro de 2017
Pequeno Conto Zen
Em um templo perdido no Himalaia o discípulo encontra o
mestre em um terraço, terminando sua meditação.
Respeitosamente pede licença e pergunta:
- Mestre, existe uma
maneira de mudar o coração de um homem que sofreu por muito tempo?
- Para muitas pessoas
o sofrimento funciona como forja, temperando sentimentos e ações, tornando a
pessoa mais resistente e equilibrada à interferência do mundo. Mas em alguns
casos o coração se torna frio e indiferente.
- Nestes casos mestre, como podemos tocá-lo?
- Está quase na hora
do chá, vá até a cozinha e traga o chá e a manteiga.
Sem questionar o discípulo se afasta.
Alguns minutos depois volta com uma bandeja laqueada
e ricamente ornada, com um bule fumegante e um pote de manteiga de iaque
endurecida pelo frio.
Senta-se sobre a
esteira e espera o mestre, que parece estar em estado contemplativo.
Após alguns minutos o
mestre fala:
- Você notou como a
manteiga estava quando a trouxe da cozinha?
- Sim mestre, estava fria e dura, como uma pedra.
- E como está agora, após alguns minutos sob a luz do sol?
- Já começa a ficar mais amolecida mestre.
- Quando tratamos as pessoas embrutecidas pelo mundo com paciência,
gentileza e atenção seus corações
começam a se abrir.
- Sim mestre!
- Agora que já é
possível, sirva o chá e coloque um pedaço de manteiga.
O rosto do discípulo
iluminou-se em um sorriso, antevendo o desfecho.
Retribuindo o sorriso, o mestre falou:
- A luz do sol e o calor do chá funcionam como a gentileza e
a atenção ao aquecer os corações empedernidos, abrindo uma brecha
para que o amor e o equilíbrio possam entrar e transformá-los.
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